Este texto eu o fiz há mais de quatro anos, quando ainda morava em Itabuna e participava do projeto da Fase: "construindo a consciência do direito a ter direitos". Na manha do dia 12 de maio de 2004, eu estava na praça do Sao Caetano, aguardando que o glorioso Paulo Deméter me viesse me buscar pra irmos a uma atividade com os índios tupinambás da Serra do Padeiro - Buerarema. Enquanto esperava, fiz este relato, que extraio dos meus arquivos:
A PRAÇA
12 de maio de 2004
A praça é um lugar fantástico. Costumo dizer que o olhar sobre uma praça é o olhar sobre a sociedade. A praça é o micro-cosmo humano da sociedade. Ali é possível enxergar as semelhanças, as diferenças, as contradições, as convergências, as mazelas, a dinâmica do meio social. Amplie o que você numa praça e terá uma visão do conjunto de uma sociedade.
Desta vez não foi diferente. Apenas chego na praça do São Caetano, me ponho a observar à minha volta. Hora: 7:30 da manhã. A variedade de figuras, de atores sociais, de papéis representados é algo formidável. No ponto de ônibus, o engravatado olha insistentemente para o relógio; o corretor fala ao celular já tentando convencer o seu cliente; o policial, com cara de mau, desfila com empáfia, projetando ares de xerife.
- Motô! Motô!, grita o rapaz do outro lado da rua, sinalizando para o motorista do coletivo esperar.
Em vão. O motorista olha, finge que não vê e arrasta o ônibus.
Desta vez não foi diferente. Apenas chego na praça do São Caetano, me ponho a observar à minha volta. Hora: 7:30 da manhã. A variedade de figuras, de atores sociais, de papéis representados é algo formidável. No ponto de ônibus, o engravatado olha insistentemente para o relógio; o corretor fala ao celular já tentando convencer o seu cliente; o policial, com cara de mau, desfila com empáfia, projetando ares de xerife.
- Motô! Motô!, grita o rapaz do outro lado da rua, sinalizando para o motorista do coletivo esperar.
Em vão. O motorista olha, finge que não vê e arrasta o ônibus.
- Filho de uma p. desgraçado! Acha que é só ele que trabalha?! Alguém viu o número do ônibus? – fala o sujeito, indignado por ver seu direito negado.
O coletivo seguinte chega super-lotado. Destino: Nova Ferradas. As pessoas se espremem umas às outras feito sardinhas enlatadas.
- Pessoal, vai mais pra trás! Ainda tem gente pra entrar, grita o cobrador.
Na porta de entrada ocorre uma disputa desesperada pra ver quem ocupará os poucos espaços restantes. Impossível lembrar-se, nesse momento, de coisas como gentileza, educação, bom senso. Ao contrário, cotoveladas, calos pisados, palavrões... é o que impera. E o pior é que há uma velhinha de seus 75 anos, com sua carteira de passe livre, que precisa descer – pela porta da frente, é claro.
- Ô, meus fí....por Santa Rita, deixa eu descer. Tenho artrose, alguém me ajuda?
Aí a sensibilidade fala mais alto. Por um instante, a regra do mais forte é colocada de lado em nome da solidariedade.
Mas ainda há outros personagens na praça, muitos outros. Um bêbado, por exemplo. Não são 8:00h da manhã e, por incrível que pareça, há um bêbado – daqueles chatos, terrivelmente chatos; do tipo que mexe com todo mundo. E parece que ele havia escolhido os motoristas pra encher o saco. Ele pára todo ônibus que passa, entra e pergunta sempre a mesma coisa, com voz instável:
- Motorista, esse ônibus vai pra onde eu vou?
- O sr. vai pra onde?
- Não sei, responde ele, já descendo às gargalhadas.
Tão chato quanto o ébrio, um outro personagem aparece: um crente. Tipologia: fanático de carteirinha. Gritos estridentes são ouvidos; palavras ameaçadoras são pronunciadas; textos do Apocalipse são proclamados; promessas de fogo eterno aos pecadores são invocadas; o domínio de Belzebu nas almas dos homens é denunciado; o fim do mundo é profetizado e a conversão do coração é solicitada.
Sinal da dureza do coração do homem ou não, ninguém parece dar muita bola. Apenas o outro chato, o bêbado, resolve se manifestar e, em pouco tempo, inviabilizar a pregação do profeta:
- Aleluia, irmão!, gritava ele.
- Glória a Deus! Amém, Senhor! Aleluia!, continuava insistentemente.
Percebendo o riso disfarçado dos presentes, e vendo-se chacoteado, o pregador bate em retirada.
- Pessoal, vai mais pra trás! Ainda tem gente pra entrar, grita o cobrador.
Na porta de entrada ocorre uma disputa desesperada pra ver quem ocupará os poucos espaços restantes. Impossível lembrar-se, nesse momento, de coisas como gentileza, educação, bom senso. Ao contrário, cotoveladas, calos pisados, palavrões... é o que impera. E o pior é que há uma velhinha de seus 75 anos, com sua carteira de passe livre, que precisa descer – pela porta da frente, é claro.
- Ô, meus fí....por Santa Rita, deixa eu descer. Tenho artrose, alguém me ajuda?
Aí a sensibilidade fala mais alto. Por um instante, a regra do mais forte é colocada de lado em nome da solidariedade.
Mas ainda há outros personagens na praça, muitos outros. Um bêbado, por exemplo. Não são 8:00h da manhã e, por incrível que pareça, há um bêbado – daqueles chatos, terrivelmente chatos; do tipo que mexe com todo mundo. E parece que ele havia escolhido os motoristas pra encher o saco. Ele pára todo ônibus que passa, entra e pergunta sempre a mesma coisa, com voz instável:
- Motorista, esse ônibus vai pra onde eu vou?
- O sr. vai pra onde?
- Não sei, responde ele, já descendo às gargalhadas.
Tão chato quanto o ébrio, um outro personagem aparece: um crente. Tipologia: fanático de carteirinha. Gritos estridentes são ouvidos; palavras ameaçadoras são pronunciadas; textos do Apocalipse são proclamados; promessas de fogo eterno aos pecadores são invocadas; o domínio de Belzebu nas almas dos homens é denunciado; o fim do mundo é profetizado e a conversão do coração é solicitada.
Sinal da dureza do coração do homem ou não, ninguém parece dar muita bola. Apenas o outro chato, o bêbado, resolve se manifestar e, em pouco tempo, inviabilizar a pregação do profeta:
- Aleluia, irmão!, gritava ele.
- Glória a Deus! Amém, Senhor! Aleluia!, continuava insistentemente.
Percebendo o riso disfarçado dos presentes, e vendo-se chacoteado, o pregador bate em retirada.
De presença religiosa permanece apenas a figura do “monge” ou “o beato” (no melhor estilo Antônio Conselheiro), que vive perambulando pelas ruas da cidade, com seu hábito surrado no melhor estilo franciscano, que chegara silenciosamente e assim continuava, comendo, tranquilamente, um pão seco com café preto. Pensei comigo:
- Esse não diz sequer uma palavra e, estranhamente, fala mais do que o fanático engravatado.
- Esse não diz sequer uma palavra e, estranhamente, fala mais do que o fanático engravatado.
Ele sim, eu chamaria de profeta, no melhor e mais genuíno sentido da palavra. Seu estilo austero e radical de vida provoca, incomoda, denuncia, convida. Denuncia, sobretudo, uma concepção de felicidade centrada no sucesso eminentemente pessoal, na posse de riqueza e poder; e convida, talvez, à revisão dos valores e das práticas, à superação da forma hedonista de encarar a vida, à retomada do que é essencial para o ser humano: o perfeito equilíbrio entre o material e o espiritual, e a colocação do SER antes do TER.
Mas, meu olhar sobre a praça não enxerga somente isso. Há ainda os velhinhos aposentados, sem brilho nos olhos – alguns enxergando cinzentamente a vida e apenas esperando o tempo passar; há um casal da famosa “turma da meota”, fazendo o seu desjejum matinal com um “corote” – ele deve ter pouco mais de 25 anos, ela não mais que 18; há o hippie expondo seu artesanato, o vendedor de caldo de cana arrumando o seu carrinho motorizado, o sr. da banca de jornal, o vendedor de pastéis, os estudantes que sentam na praça pra tagarelar ou mexer no jogos do celular – não tinham aula, pois os professores do Estado haviam parado as atividades; e, por fim, há o personagem mais notado e comentado da praça: um sujeito de seus 60 anos, com um semblante de uma absoluta e desconcertante despreocupação, tranqüilamente sentado no banco central e fumando um cigarro de palha de um abominável e repugnante cheiro que se espalhava por um raio de uns 50 metros.
Essa é a praça. É uma praça daqui de Itabuna, ali no São Caetano. Mas, poderia ser de qualquer lugar. Essa é a nossa praça:
Mas, meu olhar sobre a praça não enxerga somente isso. Há ainda os velhinhos aposentados, sem brilho nos olhos – alguns enxergando cinzentamente a vida e apenas esperando o tempo passar; há um casal da famosa “turma da meota”, fazendo o seu desjejum matinal com um “corote” – ele deve ter pouco mais de 25 anos, ela não mais que 18; há o hippie expondo seu artesanato, o vendedor de caldo de cana arrumando o seu carrinho motorizado, o sr. da banca de jornal, o vendedor de pastéis, os estudantes que sentam na praça pra tagarelar ou mexer no jogos do celular – não tinham aula, pois os professores do Estado haviam parado as atividades; e, por fim, há o personagem mais notado e comentado da praça: um sujeito de seus 60 anos, com um semblante de uma absoluta e desconcertante despreocupação, tranqüilamente sentado no banco central e fumando um cigarro de palha de um abominável e repugnante cheiro que se espalhava por um raio de uns 50 metros.
Essa é a praça. É uma praça daqui de Itabuna, ali no São Caetano. Mas, poderia ser de qualquer lugar. Essa é a nossa praça:
A praça da cultura popular e dos personagens de nossa brasilidade,
A praça dos empregados, subempregados, desempregados,
A praça dos batalhadores, sonhadores, fortes,
A praça dos fracos e excluídos,
A praça da teimosia de viver honestamente – ou não!,
A praça dos resignados, mas também dos inconformados,
A praça da indiferença,
A praça da solidariedade,
A praça da nossa diversidade e pluralidade,
A praça da revolucionária esperança,
A praça da nossa sociedade........... a nossa praça!
(Luciano Reis Porto)
Um comentário:
Olá Companheiro Luciano,
Visitei seu blog. Gostei de tudo que vi, a organização, as fotografiasa, as postagens (notícias, poesias,crônicas, etc), muito legal também o título do blog. E essa crônica, sensacional... Paulo Demeter a conhece?
Aquele abraço!
José Carlos
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