terça-feira, 29 de abril de 2008

O brasileiro e o mercado de trabalho espanhol

Publicado originalmente, no Jornal A Regiao

Em termos gerais, os setores profissionais que mais empregam imigrantes na Espanha sao os de serviços e a construção civil, seguidos pela indústria e agricultura. Entretanto, há uma variedade interessante em função da nacionalidade. Geralmente, os originários da União Européia estão inseridos no setor financeiro e comercial, ou no desempenho de profissões liberais. Já entre os latino-americanos predominam a hotelaria, o serviço doméstico, trabalhos em bares, restaurantes e na construção civil, ou seja, atividades que não exigem especial qualificação.

Os brasileiros, em sua imensa maioria, “pegam no pesado”, ou seja, trabalham na construçao civil e nos serviços, salvo algumas exceções. Aliás, segundo a Associação Nacional de Empresários e Profissionais Autônomos (ANEP), 96% dos brasileiros trabalham nesses dois setores. Geralmente, quem está documentado não encontra demasiadas dificuldades pra achar um emprego num restaurante, loja, hotel, casa de família ou na “obra”. Quem, pelo contrário, não possui documentos regulares passa dificuldades importantes. Além de se submeter a jornadas rigorosas e remuneração mais baixa, ainda fica exposto à exploração. É o pessoal que, em Madri, é simbolizado pela conhecida “Praça Elíptica”. Nesse lugar cêntrico da cidade, ponto de saída para o sul da capital, na rodovia que leva a Toledo, todo santo dia pela manhã uma multidão de imigrantes indocumentados abarrotam as calçadas esperando os recrutadores de mão-de-obra barata. É o ambiente certo pra conhecer histórias de milhares de trabalhadores brasileiros.

Eu, pessoalmente, conheço alguma delas, de gente que chega a trabalhar 13 horas por dia num canteiro de obras; de meninas diaristas que suportam o inimaginável limpando casas; de garçons e garçonetes que dormem apenas algumas horas por dia. Mas, também conheço pessoas que estão confortáveis. E não falo dos brasileiros ricos dos bairros de Las Rozas e Majadahonda: empresários, funcionários de bancos, embaixada, consulado. Falo de gente que, após três/quatro anos, conseguiu se estabilizar e ter uma vida tranquila.

Em geral, ganha-se um pouco mais do que o salário mínimo espanhol, 600 euros, numa jornada de oito horas. Mas, levando-se em conta o custo de vida, dificilmente a remuneração mínima legal permite chegar com tranquilidade ao fim do mês. Moradia é, sem dúvida, o que mais pesa. Em Madri, por exemplo, o aluguel de um apartamento não sai por menos 700/800 euros. A solução é dividir. É comum encontrar 7, 8, até 10 pessoas num apartamento. Ou mais. A ONG SOS Racismo já denunciou ter encontrado casas de 25 metros quadrados, divididas por 20 pessoas. Sao as “casas-balsas”. Há também a prática de alugar apenas a cama. É o que se denomina aqui de “cama caliente”. São colchões alugados por tempo, turnos normalmente de 12 horas, que vão das 8h às 20h e das 20h às 8h. Parece mentira, mas não é. Quem trabalha durante o dia aluga a cama pra outro que trabalha à noite. Ganhou esse apelido de “cama quente” porque nunca dá tempo de esfriar. São os “severinos” do tal primeiro mundo, vivendo sua vida também “severina”.

E agora que a Espanha já sofre os efeitos da crise americana, com a desaceleração econômica, especialmente do setor imobiliário, com um prognóstico de crescimento de 2% para 2008, a situação do mercado de trabalho para os imigrantes não parece sinalizar para melhoras. De fato, acaba de sair um dado preocupante, divulgado pela Confederação Espanhola de Organizações Empresariais (CEOE),: calcula-se que 1 milhão de estrangeiros perderão seus postos de trabalhos até o fim de 2009 por culpa da crise, especialmente nos setores de serviço e construção. Só deste último setor, haverá entre 600 mil e 800 mil novos desempregados, sendo 95,5% deles imigrantes. Essa previsao parece, de fato, ter um fundamento sólido, pois o Ministério do Trabalho tornou público, recentemente, que, nesses primeiros meses de 2008, houve um aumento de 92,1% de desempregados imigrantes no setor da construção em relação ao mesmo período do ano passado. Na agricultura, a taxa foi de 139,5%.

Os reflexos da crise, inclusive, já teriam refletido no próprio fluxo migratório, a deduzir pela leve queda na taxa de imigrantes. Já para aqueles que perderao seus empregos, a soluçao será o caminho de casa. O governo socialista vai estimular a repatriaçao voluntária, até mesmo oferecendo passagem de ida.

Assim, quem estiver com pretensão de embarcar na aventura de trabalhar fora do Brasil, “sin papeles”, sobretudo na Espanha, que pense bem. Esqueça, principalmente, que vai ter vida fácil e, em pouco tempo, ganhar muito dinheiro. Só vale a pena mesmo se for com contrato regular de trabalho. Do contrário, é como dizia Cazuza: “dias sim, dias não, eu vou sobrevivendo sem um arranhão, da caridade de quem me detesta”.

Nenhum comentário: